A carta de Shofiah ou O choro de uma lagarta que não virará Borboleta.
"Caro, honrado e adorado Senhor, salve-me!
Se o Senhor não me estimular a ser eu mesma, serei outra e então quero ver com qual das duas mil ficará, meu Senhor de mim.
Os portões de Suas terras encherão de pensamentos, e gados, e terras encherão de gente. Serei tantas mulheres que harém nenhum suportará tamanha diversidade. Suportará tamanha veracidade. Sul portará.
O que quer (de mim), meu Senhor de mim? Uma para mil? Mil em uma? Mil para nenhuma ou nenhuma em mil?
Dizes, por favor, e antes que eu enlouqueça deixa-me ser eu mesma, pois ainda que O ame somente em mim, para mim e comigo, não saberei ser ou amar a outra para, ainda que para Ti, Senhor.
Não saberei viver outra. Posso me passar e até estar outra, mas ser é divino e o Pai, a quem também respeito e me soprou a primitiva vida de diamante bruto, a quem somente Tu - oh, myLord! -, com especial e única habilidade de artista mestre e ancião de renome, e respeito, lapidou. E fez. No hoje. Algo melhor que o ontem e que ainda o será primor e excelência no amanhã, é capaz de entender o que sou e o que posso ser. Se me permite, Senhor, nada quero ser além do que sou e me permito ser para Ti em ti Mesmo.
Sabes, meu Senhor, sou o tudo que desejas, mas ainda não atingi a supremacia da metamorfose ao pensar que posso ser outra. Outra não posso ser. Se me quer, aceito. E, de joelhos, agradeço a dádiva e generosidade, sem tamanho, e que somente Tu poderia fazer. Assim, com Tua benção, graça e força estarei outra, mas ser...
Sinto. E peço, sem esperar resposta, Sua permissão para findar o quadro ao assinar a obra Tua. Com o mesmo sangue que tantas e tantas vezes fez circular forte por meu corpo sempre frágil, mas sempre disposto, e disponível, e à disposição a Teu uso e sabor.”
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O castelo, e as terras, e as muitas mulheres que ali habitavam, estremecem com o ensurdecedor barulho do disparo do canhão.
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Ela escreveu e atirou na própria cabeça. Com um canhão. Queria que nada sobrasse do que foi um dia e ainda assim pensou na possibilidade de, ao morrer com muitos pedaços, ser – por Ele - ressuscitada em muitas.
Só esqueceu que morta. Não poderá entrar em casulo algum. E ser borboleta.
Foi no ritual de sepultamento que Ele, soberano e à caráter, respondeu:
Adorada mulher minha, salve-se!
Que os mistérios do mundo que, por hora, habitas sejam-lhe prazentes.
Sei que, por merecimento, honra, glória e reconhecimento muito fui e mesmo entendendo que nada sou, agradeço o tardio aviso da partida.
Nem com mil carretas, charretes e cocheiros conseguirei juntar teus restos.
E isso pelo fato de ser muito mais que mil. Era somente uma, e não mais que uma, onde nem mesmo cem mil - e com as graças do Deus Pai - conseguiriam superar igual.
Era pérola e ostra e mar, terra e plantação e chuva, arma e munição e tiro certeiro. Era plena em si e somente em si tinha todas as fases da lua a cuidar das muitas noites que surgiram.
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Ao feudo, declaro luto de vinte e cinco dias mais um completo ciclo de luas.
Ao secretário-mor ordeno que providencie, junto ao mercador, outra para as noites que seguem.
Estou triste e preciso de alguém que me conforte.
E ouviu-se o estrondo. Do iniciar da festa para a escolha da nova serva do “senhor da floresta das Sombras”
(trecho de um livro que nunca escrevi, mas sempre leio dentro de mim: 24hs na floresta do senhor das Sombras)
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Szir GanoN
Terça-feira, 29 de Abril de 2008, 20:25